Tinha de ir ao Centro de Saúde, a minha artrose piorou e a bronquite não me largava, precisava de mais drogas para manter alguma sanidade.
Dirigi-me à paragem do autocarro (o maçarico do médico não me renovou a carta, mas eu já recorri) acompanhado pela minha terceira perna que desde que a artrose piorou não consigo largar. E fiquei à espera, a ver os carros passar, a olhar para as pessoas que passavam também. Seria eu capaz de subir para o autocarro? Se calhar devia ter chamado um táxi. Bem, decidi tentar.
Enquanto o autocarro não chegava, fui observando os meus companheiros de paragem, três estudantes de auscultadores nos ouvidos e telemóveis na mão, uma mulher de meia-idade com compras e a Alzira que acabava de chegar. Não posso com a Alzira, fala pelos cotovelos, só gosta de coscuvilhice. Depois de se lamentar do tempo, são as dores, as desgraças… eu também o sinto, mas não sou tão fatalista, não gosto de maçar os outros com isso.
Enfim, voltando ao que interessa, deixei-a a falar para o boneco assim que A vi aproximar-se. Um pecado de mulher. Vinha ao meu encontro, atravessando na passadeira. Um vestido floral muito leve e fresco, esvoaçante e colado à pele pelo movimento, não me deixava muito espaço para lhe adivinhar as formas que se mostravam atrevidamente apetitosas. Mulata altiva, com o cabelo negro solto em caracolinhos rebeldes, com um andar gingante numas sandálias altas de cunha e bolsinha ao ombro. Lembrou-me os meus tempos de juventude em que a conquista era o meu passatempo preferido e todas as mulheres achavam graça ao meu jeito. Lembrei-me daquela música do Tom Jobim e do Vinícius "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça…" e de repente, consegui filtrar o momento em que só existia ela, eu, e a música: "ah, a beleza que existe…" Vinha a falar ao telemóvel, a sorrir para alguém do outro lado. Mas esse alguém não lhe podia ver o sorriso, eu sim. E que sorriso, Deus meu! Feito de lábios polpudos e dentes imaculadamente brancos. Ela vem quase direito a mim, sempre a sorrir, olha-me nos olhos e antes de virar para seguir o passeio, pisca-me o olho! Ou talvez tenha sido eu a delirar com a dor... O que é certo é que me deixou de doer no mesmo instante, durante largos minutos, nem me lembrei mais da artrose nem da bronquite, nem de mais nada.
"Ah, se ela soubesse que quando ela passa / O mundo inteirinho se enche de graça / E fica mais lindo / Por causa do amor"
Assim vale a pena os dias quentes, só pelo poder terapêutico de um sorriso fresco que aquece o coração!
10 comentários:
Como é bom um sorriso desses para alegrar o dia.
Beijos Ardentes
E viva o verão!!!!!
o verão é quando nós quisermos que aconteça
como é fácil alegrar os dias;)
não podemos nunca menosprezar o poder terapêutico de um sorriso :-)
Que lindo! E esse tema de nossos poetas deixou ainda mais gostoso de ler...
Parabéns!
Para nos sentirmos bem num dia simples basta querermos e termos alguma energia diferente. Parabéns.
Que nunca seja subestimado o efeito placebo de um sorriso descomprometido...
não é placebo, há sorrisos que curam mesmo!
Mas quem não gosta de um sorriso?
Daqueles que nos reconforta?
E quando acompanhado de um "Olá, aqui estou", até sabe melhor.
Beijo
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