“Era bela como a mulher do outro.” Esta citação (que alguns atribuem ao anti-semita
Paul Morand e outros ao judeu
Groucho Marx, mas não é isso que se discute aqui…) resume bem a ambivalência humana. Pelo menos essa contradição que consiste em querer ao mesmo tempo uma só mulher… e um monte delas.
As sociedades polígamas (várias mulheres para um homem) oferecem uma forma (discutível) de resposta. Estima-se que representem cerca de 44% das sociedades humanas, contra 55% que são monógamas e menos de 1% poliândricas (vários homens para uma mulher, como acontece em África na índia ou no Tibete).
Polígamos há muitos. Mas, além disso, é preciso observar de perto os monógamos. Em primeiro lugar, os monógamos perfeitos, um só parceiro durante a vida, são raros: segundo inquéritos, os homens admitem ter tido 11 parceiras durante a vida, em comparação com 3,3 para as mulheres. Logo,
as pessoas são, na sua maioria, monógamas num determinado momento, mas podem ser qualificadas de polígamas em série. E sobretudo, há o adultério.
20% dos homens e 11% das mulheres declaram ter cometido uma infidelidade nos cinco anos anteriores à data do questionário (será que as pessoas se enganavam menos antes de 1975, quando a lei francesa considerava o adultério como um delito passível de prisão?). Há pior. Os testes genéticos efectuados em vários milhares de pessoas revelam um número incrível de filhos cujo ADN difere do do pai legal: segundo os estudos,
a percentagem de filhos adulterinos varia entre 1 a 10 % (por exemplo, 5,9% num inquérito inglês). De resto, as dúvidas quanto à paternidade à roda dos berços: não é por acaso que os psicólogos demonstraram que
os comentários sobre o recém-nascido dizem sobretudo respeito às semelhanças com o Pai!
Woody Allen dizia que
as únicas espécies fiéis eram os católicos e as pombas. Na verdade, há muitas outras (sim, eu sei, os católicos não constituem nenhuma espécie…). Pensa-se que existem cerca de
10% de aspécies monógamas – na sua maioria,
aves (90% são-no) mas também
3% de mamíferos (gibões, chacais, etc.). Em contrapartida, a
poliandria não tem muito êxito:
0,4% entre aves e os mamíferos.
O aspecto mais interessante é que,
mesmo nas espécies que se pensava serem monógamas, se evidenciaram recentemente práticas adúlteras. Por exemplo, acreditou-se durante muito tempo que os canários eram monógamos e fiéis, até que um biólogo teve a ideia de realizar testes de paternidade. Ao comparar, numa mesma ninhada, o
ADN das avezinhas com o do chefe da família, descobriu que, em média, 20 a 30% dos pequenos possuíam os genes de um macho vizinho! O espantoso é que os investigadores nunca tinham visto a fêmea a dar uma escapadela. Foi necessário segui-la o tempo todo para descobrir que se deixava inseminar discretamente pelos vizinhos, durante cópulas furtivas que tinha o cuidado de esconder do companheiro. Estas investigações torcem o pescoço à impostura que consistia em fazer de um ninho aconchegado a alegoria da harmonia familiar, e da avezinha que choca o emblema do “instinto” maternal.
Conquanto desagrade aos românticos, a infidelidade parece desempenhar um papel na Natureza.
Do ponto de vista evolutivo, os biólogos explicam bem esta sexualidade de porta de cocheira.
A monogamia “perfeita” permite à fêmea dispor de um macho que cuida dela, dela e das crias. Mas o inconveniente reside no facto de, ao limitar-se a um só macho, correr o risco de ficar com esperma de segunda escolha. A fêmea adúltera recupera as duas vantagens: por um lado, o macho que a protege, e, por outro, a multiplicação de probabilidades de recolher “bons genes”. A sobrevivência da espécie sairia a ganhar. Formularam-se outras hipóteses: as relancear os olhos pelos vizinhos, o borrachinho poderia forçar o “legítimo” a consagrar-lhe mais atenção. Acresce que o “
bovarismo” também existe entre os animais.
As fêmeas de canário são costureirinhas que se apaixonam por bons cantores. Um macho que lhes dê segurança, tudo bem, mas é difícil resistir ao encanto de um maestro de passagem.
Isto não nos deve fazer esquecer que os mais infiéis são, geralmente, os machos. Podemos explicá-lo afirmando que
um macho aumenta as suas hipóteses de reprodução se multiplicar as cópulas, mas que uma fêmea não ganha nada em ter parceiros uns atrás dos outros. O que explica que este tipo de comportamento – macho engatatão, fêmea caseira – tenha sido conservado pela selecção natural.
Seja como for,
não é o aumento das suas probabilidades reprodutivas que leva um indivíduo, homem ou animal, a dar facadas no matrimónio. O proveito é certamente mais imediato e agradável. É a
necessidade de novidade, confessarão os Don Juans. O espantoso é que isso também exista entre os animais!
Com efeito, sabe-se que um rato fechado na companhia de uma fêmea copula como um tarado no início e, depois, cada vez menos… até acabar por se cansar. Mude-se a parceira ou, apenas, a cor da gaiola, e a libido volta. Os biólogos chamam-lhe “
efeito Coolidge”, apelido de um presidente americano dos anos 20. Um dia, ao visitar uma quinta, Coolidge viu um galo a cobrir uma galinha, tendo-se desenrolado o seguinte diálogo. Presidente: “Ele faz isto muitas vezes?” Director da quinta: “Umas dez vezes por dia.” Presidente: “Com a mesma fêmea?” Director: “Não, sempre com uma fêmea diferente.” Presidente (cuja esposa se mantinha um pouco afastada): “Há-de dizer isso à minha mulher…” Alguns investigadores chegam a explicar a moda no vestuário pelo efeito Coolidge, porque proporcionaria
um meio de satisfazer a necessidade de novidade!
É possível que o efeito Coolidge contribua para explicar o adultério humano (embora poucas esposas se contentassem com uma explicação tipo: “Desculpa, querida, mas é o efeito Coolidge, não há nada a fazer.”). Em todo o caso, alguns indícios sugerem que
o adultério está profundamente enraizado. Sabe-se, por exemplo, que as espécies polígamas se caracterizam geralmente por um
dimorfismo sexual: os machos são fisicamente muito diferentes das fêmeas. Em contrapartida, nas espécies monógamas (tanto entre aves como entre mamíferos), os dois sexos têm mais tendência a parecer-se um com o outro. Ora os seres humanos estão mais sujeitos ao dimorfismo… O que os aproximaria mais das espécies polígamas e não das monógamas!
De resto, alguns investigadores chamaram a atenção para a existência desta relação entre dimorfismo sexual e poligamia no interior das próprias sociedades humanas. As mais polígamas acentuariam o dimorfismo sexual: por exemplo, as sociedades muçulmanas, obcecadas pela barba nos homens e o véu nas mulheres. Inversamente, as sociedades ocidentais, onde a monogamia é a regra oficial, são as que mais atenuam o dimorfismo sexual: queixo rapado para os homens e calças para as mulheres.
Porém, convirá não esquecer que
a poligamia subsiste, embora escondida, nas sociedades monógamas. Enquanto o chefe de clã somali possui um número de esposas proporcional ao seu prestígio, o empresário ocidental sustenta um número de amantes proporcional à sua conta bancária.
Acresce que, recentemente,
a poligamia ocidental assumiu uma forma menos críptica, por meio da troca de parceiros. Esta prática, marginalíssima nos anos 90, explodiu subitamente, provocando uma proliferação de clubes em todas as grandes cidades. Ora, depois de demoradas investigações, o sociólogo Daniel Welzer-Lang, da Universidade de Toulouse, interpreta a troca de parceiros (cujo número de adeptos em França rondará os 400 000, segundo as suas estimativas) como
uma forma de poligamia que ainda exprime o domínio dos homens, pois são eles que regulamentam as modalidades do comércio sexual.
Em resumo,
o homem possui certamente um fundo polígamo, cuja origem biológica ou cultural não decidiremos aqui… E, ao mesmo tempo,
um desejo monógamo, a propósito do qual podemos dizer o mesmo. Logo, o homem seria um
monógamo infiel ou um
polígamo que cria laços… Seja como for,
alguém que nunca está tranquilo (tal como a mulher, consequentemente).
FISCHETTI, António: A Angústia do Chato antes do Coito – 36 perguntas sobre sexo que nunca fez a si próprio; Ed. Bizâncio, 1ª edição, Out. 2003.