sábado, 11 de fevereiro de 2012

driving you slowly: o prazer de conduzir

Há algum tempo atrás perguntaram-me se gosto de conduzir. A pergunta pareceu-me um bocado disparatada, como se me perguntassem se eu gosto de andar. Porque de facto, é isso que sinto, como se o meu carro fosse um prolongamento do meu corpo que me faz andar mais depressa, deslizar nas artérias de asfalto ou rasgar devagar pequenas v(e)ias de terra batida. Por isso a resposta é depende. Há alturas em que não me apetece andar, não gosto de filas de trânsito, nem de não encontrar lugar para estacionar. Quem gosta? Mas aprecio a liberdade que me dá para poder ir aonde me apetece, sem depender de ninguém. Tal como aprecio uma boa caminhada, conduzir permite-me viajar e conhecer os sítios que quero, dentro do meu orçamento para combustível, claro.

Mas nem sempre foi assim, foi uma conquista gradual. Ninguém nasce a saber conduzir, embora algumas pessoas tenham mais aptidão que outras. Lembro-me de quando o meu pai teve a ideia peregrina de me fazer conduzir o carro da família, na véspera da minha primeira aula de condução. Era um Ford com teto de abrir, muito confortável, 1300 cc, que eu conduzia pela bordinha da estrada, muito devagarinho, com muito medinho… até que ele me pediu para parar numa pequena subida e eu nunca mais consegui sair dali. Condutor exímio que era e fazia disso a sua profissão, perdeu a paciência e trocámos de lugar enquanto ele me explicava o ponto de embraiagem e fê-lo também numa descida, instantaneamente. Achei que jamais conseguiria fazê-lo, que se há pessoas que têm talento nato para a coisa, eu definitivamente não era uma delas, aquilo era muito difícil, era preciso muita técnica, equilibrar a aceleração e a embraiagem requeria mestria.
Não dormi muito bem nessa noite, mas escusado será dizer que a aula me pareceu incrivelmente fácil e apesar de não ser nenhum piloto profissional, não tive grande dificuldade em passar à primeira no exame de condução, embora na altura nada fosse intuitivo e tivesse de estar sempre a lembrar-me de pôr a 1ª quando parava e fazer muitas azelhices típicas de maçarico do volante.

Mas practice makes perfect, e nada como conduzir mais para conduzir melhor. Depois de alguns anos de treino, uma perfeita simbiose aconteceu e máquina e eu passaram a ser um só, o tal prolongamento do corpo, com o qual me posso expressar e deslocar. Claro que isto não acontece com todos os carros, apenas com os que conduzo habitualmente, já sei instintivamente o espaço que necessito para virar, para fazer qualquer manobra, sei a quantidade de aceleração necessária para equilibrar o ponto de embraiagem instantaneamente e onde estão todos os botões necessários. Ligo o piloto automático e por vezes vou parar aos sítios sem me lembrar muito bem como, embrenho-me de tal forma em outros pensamentos e deixo o meu corpo, a minha memória, fazer o resto automaticamente.

Sem dúvida que as máquinas mais caras que eu já manobrei são carros. E durante uns tempos, tive oportunidade de manobrar bastantes, de todos os tamanhos e feitios, e perceber que cada um é diferente, com um temperamento próprio, não me consigo entender com todos à primeira. Mas com algum diálogo, alguma prática, todos são conduzíveis. Um carro pode também ser uma arma letal. Felizmente, nunca tive nenhum acidente aparatoso, apenas alguns sustos, uns provocados por mim, outros tantos provocados por outros condutores. Tenho muitas vezes consciência de que se me despistasse à velocidade que vou, não apanharia apenas um susto. Mas conduzir na estrada é um acto de fé, com riscos minimizados se obedecidas as regras elementares de segurança. O cinto é automático, já me livrou de várias mazelas, nem me sinto confortável se não o puser, parece que falta qualquer coisa.

To drive or to be driven? Dá sempre vontade de agarrar o volante? Quem não gosta(ria) de ser levado ao colo de vez em quando? Quem não gosta de dormir no lugar do pendura quando confia em quem conduz? Caríssimos condutores, companheiros de estrada, dada a escolha, que preferem?


Música: Are you gonna go my way?, Lenny Kravitz
Foto: Corbis

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16 comentários:

Nuno V. P.de Melo Ferreira disse...

Gosto de ser conduzido. Sempre com a possibilidade de um despiste iminente.

carpe vitam! disse...

Mas quando somos nós a conduzir, também nos podemos despistar... ou fazer um desvio da rota prevista.

Nuno V. P.de Melo Ferreira disse...

Isso seria um despiste ou um desastre?

carpe vitam! disse...

eu prefiro chamar-lhe "desvio",
é mais sugestivo ;)

Nuno V. P.de Melo Ferreira disse...

Sem dúvida. Desviaste-te sugestivamente bem. ;-)

carpe vitam! disse...

despiste e desastre soam um bocado a tragédia e na condução, há que ter reflexos rápidos para evitar problemas ;)

Nuno V. P.de Melo Ferreira disse...

Despiste, desastre, catástrofe, nada de trágico, tudo de épico.
Mas sim, se a intenção for evitar problemas, coloca o cinto, uma música de uma rádio local e, sobretudo, não passes dos 120 Km/h. :-)

SenhoraLúcifer disse...

Conduzir ao prazer é uma das menores coisas na vida!

Visitei e adorei o seu espaço tem muito de você...

Beijos gulosos em você...

carpe vitam! disse...

Numenor, tenho encontrar um ponto de equilíbrio entre diversão e responsabilidade, e na estrada como na vida, tento ao máximo evitar/minimizar riscos desnecessários. Claro que por vezes excedo os limites (de velocidade. incrível como nunca tive nenhum acidente grave e só paguei 2 multas por isso. é do rabinho virado para a Lua! ;P).

Senhora Lúcifer, seja bem-vinda! Já nos conhecemos? Também visitei seu espaço e devo confessar que aprecio algumas de suas práticas...
Beijos "sem baunilha" ;)

Anónimo disse...

Esta foi uma das poucas coisas em que não sabia o que estava a fazer na 1a vez... Fiz a minha 1a aula (de mota) com o instrutor sempre a gritar ao meu ouvido porque deixava a mota "morrer" de cada vez que tentava arrancar de um stop/vermelho. Conclusão: Não sabia que era preciso voltar a pôr a 1a mudança para arrancar xD...

Mas va.. depois nas aulas seguintes e até na 1a aula de carro correu tudo lindamente!
Cada vez que guio, fico animado porque posso ir a qualquer lugar... se a crise deixa-se.

carpe vitam! disse...

o instrutor ficava caladinho e deixava-me arrancar em terceira. Umas vezes corria bem, outras, nem por isso...

a puta da crise é que lixa tudo! mas enfim, é uma oportunidade para usar a criatividade ;)

Alien David Sousa disse...

"fosse um prolongamento do meu corpo"

Sabes o que dizem dos carros e dos pénis dos homens??! Que o seu carro é um prolongamento do seu pénis lol

carpe vitam! disse...

Sei, o meu bólide é dos pequenos, mas é um bad boy ;)

Unknown disse...

Eu tinha que comentar isto. ADORO conduzir. Sim, o meu carro tem as mudanças automáticas, não faço ponto de embraiagem e não, não tenho menos prazer a conduzir por isso. Pelo contrário, permite-me apreciar outras coisas. Gosto especialmente de andar sem distino, como fiz no Verão. E prefiro mil vezes ir a conduzir do que ser conduzida (embora haja alturas para tudo). O vidro vai sempre aberto, mas nunca todo. O rádio sempre ligado, mas em som baixo (gosto de prestar atenção ao barulho do motor), o cinto sempre posto (é como tu: automático e parece que se não ponho me falta algo)... Gosto tanto de andar depressa como, por vezes, andar a "pastelar". Odeio conduzir em cidade... Adoro o meu carro... É um privilégio conduzir! Pena o combustível não deixar fazer mais aventuras!

Unknown disse...

"Pena o combustível não deixar fazer mais aventuras!" deve ler-se "Pena o PREÇO do combustível não deixar fazer mais aventuras!" :)

carpe vitam! disse...

mudanças automáticas experimentei uma ou duas vezes, mas parece que faltava qualquer coisa, não sabia muito bem o que fazer com o pé esquerdo, além de ser impossível travar com o motor com mudanças automáticas. mas isso é só um pormenor, a verdade é que para mim, as mudanças são completamente automáticas porque as troco instintivamente, sem pensar no assunto. O meu "bad boy" já está comigo há 9 anos e creio que vai ser "até que a morte (de preferência dele) nos separe"... ou até deixar de ter dinheiro para combustível... ;)