quarta-feira, 28 de maio de 2008

para que serve o adultério?

ilustração: Charb



“Era bela como a mulher do outro.” Esta citação (que alguns atribuem ao anti-semita Paul Morand e outros ao judeu Groucho Marx, mas não é isso que se discute aqui…) resume bem a ambivalência humana. Pelo menos essa contradição que consiste em querer ao mesmo tempo uma só mulher… e um monte delas.

As sociedades polígamas (várias mulheres para um homem) oferecem uma forma (discutível) de resposta. Estima-se que representem cerca de 44% das sociedades humanas, contra 55% que são monógamas e menos de 1% poliândricas (vários homens para uma mulher, como acontece em África na índia ou no Tibete).

Polígamos há muitos. Mas, além disso, é preciso observar de perto os monógamos. Em primeiro lugar, os monógamos perfeitos, um só parceiro durante a vida, são raros: segundo inquéritos, os homens admitem ter tido 11 parceiras durante a vida, em comparação com 3,3 para as mulheres. Logo, as pessoas são, na sua maioria, monógamas num determinado momento, mas podem ser qualificadas de polígamas em série. E sobretudo, há o adultério. 20% dos homens e 11% das mulheres declaram ter cometido uma infidelidade nos cinco anos anteriores à data do questionário (será que as pessoas se enganavam menos antes de 1975, quando a lei francesa considerava o adultério como um delito passível de prisão?). Há pior. Os testes genéticos efectuados em vários milhares de pessoas revelam um número incrível de filhos cujo ADN difere do do pai legal: segundo os estudos, a percentagem de filhos adulterinos varia entre 1 a 10 % (por exemplo, 5,9% num inquérito inglês). De resto, as dúvidas quanto à paternidade à roda dos berços: não é por acaso que os psicólogos demonstraram que os comentários sobre o recém-nascido dizem sobretudo respeito às semelhanças com o Pai!

Woody Allen dizia que as únicas espécies fiéis eram os católicos e as pombas. Na verdade, há muitas outras (sim, eu sei, os católicos não constituem nenhuma espécie…). Pensa-se que existem cerca de 10% de aspécies monógamas – na sua maioria, aves (90% são-no) mas também 3% de mamíferos (gibões, chacais, etc.). Em contrapartida, a poliandria não tem muito êxito: 0,4% entre aves e os mamíferos.

O aspecto mais interessante é que, mesmo nas espécies que se pensava serem monógamas, se evidenciaram recentemente práticas adúlteras. Por exemplo, acreditou-se durante muito tempo que os canários eram monógamos e fiéis, até que um biólogo teve a ideia de realizar testes de paternidade. Ao comparar, numa mesma ninhada, o ADN das avezinhas com o do chefe da família, descobriu que, em média, 20 a 30% dos pequenos possuíam os genes de um macho vizinho! O espantoso é que os investigadores nunca tinham visto a fêmea a dar uma escapadela. Foi necessário segui-la o tempo todo para descobrir que se deixava inseminar discretamente pelos vizinhos, durante cópulas furtivas que tinha o cuidado de esconder do companheiro. Estas investigações torcem o pescoço à impostura que consistia em fazer de um ninho aconchegado a alegoria da harmonia familiar, e da avezinha que choca o emblema do “instinto” maternal. Conquanto desagrade aos românticos, a infidelidade parece desempenhar um papel na Natureza.

Do ponto de vista evolutivo, os biólogos explicam bem esta sexualidade de porta de cocheira. A monogamia “perfeita” permite à fêmea dispor de um macho que cuida dela, dela e das crias. Mas o inconveniente reside no facto de, ao limitar-se a um só macho, correr o risco de ficar com esperma de segunda escolha. A fêmea adúltera recupera as duas vantagens: por um lado, o macho que a protege, e, por outro, a multiplicação de probabilidades de recolher “bons genes”. A sobrevivência da espécie sairia a ganhar. Formularam-se outras hipóteses: as relancear os olhos pelos vizinhos, o borrachinho poderia forçar o “legítimo” a consagrar-lhe mais atenção. Acresce que o “bovarismo” também existe entre os animais. As fêmeas de canário são costureirinhas que se apaixonam por bons cantores. Um macho que lhes dê segurança, tudo bem, mas é difícil resistir ao encanto de um maestro de passagem.

Isto não nos deve fazer esquecer que os mais infiéis são, geralmente, os machos. Podemos explicá-lo afirmando que um macho aumenta as suas hipóteses de reprodução se multiplicar as cópulas, mas que uma fêmea não ganha nada em ter parceiros uns atrás dos outros. O que explica que este tipo de comportamento – macho engatatão, fêmea caseira – tenha sido conservado pela selecção natural.

Seja como for, não é o aumento das suas probabilidades reprodutivas que leva um indivíduo, homem ou animal, a dar facadas no matrimónio. O proveito é certamente mais imediato e agradável. É a necessidade de novidade, confessarão os Don Juans. O espantoso é que isso também exista entre os animais!

Com efeito, sabe-se que um rato fechado na companhia de uma fêmea copula como um tarado no início e, depois, cada vez menos… até acabar por se cansar. Mude-se a parceira ou, apenas, a cor da gaiola, e a libido volta. Os biólogos chamam-lhe “efeito Coolidge”, apelido de um presidente americano dos anos 20. Um dia, ao visitar uma quinta, Coolidge viu um galo a cobrir uma galinha, tendo-se desenrolado o seguinte diálogo. Presidente: “Ele faz isto muitas vezes?” Director da quinta: “Umas dez vezes por dia.” Presidente: “Com a mesma fêmea?” Director: “Não, sempre com uma fêmea diferente.” Presidente (cuja esposa se mantinha um pouco afastada): “Há-de dizer isso à minha mulher…” Alguns investigadores chegam a explicar a moda no vestuário pelo efeito Coolidge, porque proporcionaria um meio de satisfazer a necessidade de novidade!

É possível que o efeito Coolidge contribua para explicar o adultério humano (embora poucas esposas se contentassem com uma explicação tipo: “Desculpa, querida, mas é o efeito Coolidge, não há nada a fazer.”). Em todo o caso, alguns indícios sugerem que o adultério está profundamente enraizado. Sabe-se, por exemplo, que as espécies polígamas se caracterizam geralmente por um dimorfismo sexual: os machos são fisicamente muito diferentes das fêmeas. Em contrapartida, nas espécies monógamas (tanto entre aves como entre mamíferos), os dois sexos têm mais tendência a parecer-se um com o outro. Ora os seres humanos estão mais sujeitos ao dimorfismo… O que os aproximaria mais das espécies polígamas e não das monógamas!

De resto, alguns investigadores chamaram a atenção para a existência desta relação entre dimorfismo sexual e poligamia no interior das próprias sociedades humanas. As mais polígamas acentuariam o dimorfismo sexual: por exemplo, as sociedades muçulmanas, obcecadas pela barba nos homens e o véu nas mulheres. Inversamente, as sociedades ocidentais, onde a monogamia é a regra oficial, são as que mais atenuam o dimorfismo sexual: queixo rapado para os homens e calças para as mulheres.

Porém, convirá não esquecer que a poligamia subsiste, embora escondida, nas sociedades monógamas. Enquanto o chefe de clã somali possui um número de esposas proporcional ao seu prestígio, o empresário ocidental sustenta um número de amantes proporcional à sua conta bancária.

Acresce que, recentemente, a poligamia ocidental assumiu uma forma menos críptica, por meio da troca de parceiros. Esta prática, marginalíssima nos anos 90, explodiu subitamente, provocando uma proliferação de clubes em todas as grandes cidades. Ora, depois de demoradas investigações, o sociólogo Daniel Welzer-Lang, da Universidade de Toulouse, interpreta a troca de parceiros (cujo número de adeptos em França rondará os 400 000, segundo as suas estimativas) como uma forma de poligamia que ainda exprime o domínio dos homens, pois são eles que regulamentam as modalidades do comércio sexual.

Em resumo, o homem possui certamente um fundo polígamo, cuja origem biológica ou cultural não decidiremos aqui… E, ao mesmo tempo, um desejo monógamo, a propósito do qual podemos dizer o mesmo. Logo, o homem seria um monógamo infiel ou um polígamo que cria laços… Seja como for, alguém que nunca está tranquilo (tal como a mulher, consequentemente).


FISCHETTI, António: A Angústia do Chato antes do Coito – 36 perguntas sobre sexo que nunca fez a si próprio; Ed. Bizâncio, 1ª edição, Out. 2003.

15 comentários:

Ricardo Santos disse...

Ora aqui estão uns belos dados daquilo que sempre se "soube" mas falta uma coisinha devia ter sido escrito mais vezes Homem e não homem :)

carpe vitam! disse...

Olá! Bem-vindo à nossa humilde casinha! Sim, nada do que este autor escreveu é propriamente novidade, mas em relação ao "homem", creio que quando se refere assim está a falar apenas de indivíduos do sexo masculino. O termo "Homem" para designar ser humano não me parece nada adequado, e os homens e as mulheres diferenciam-se bastante bem em termos biológicos e comportamentais, creio que foi por isso que ele não os colocou no mesmo saco.

Sleeping Angel disse...

e quem nunca bebeu desta agua k atire a primeira pedra

Anónimo disse...

Adorei a provocação!
Muito didáctica ! Sem dúvida que Fischetti, sabia muito bem o que dizia , pois o estudo que fez proporcionou-lhe , essa recolha de dados ! Só falta um ,que me parece muito importante!
Os esquimós costumam oferecer a esposa ou filha ao visitante. Já faz parte da tradição, para preservarem a espécie, de forma a evitar todos os problemas derivados da consanguinidade.
Beijos

Ricardo Santos disse...

Sleeping Angel Qual agua? posso atirar a primeira pedra? é que agua do adultério ainda não provei, quanto a agua da poligamia já é outra historia... ou não... Afinal o que é a poligamia numa sociedade monogamica? será ter vários relacionamentos ou ter vários companheiras(os), acho que se aplica mais a segunda, a primeira é mais aplicada aos casos de adultério, mas isto é a minha visão pois separo ter companheiras(os) de ter relacionamentos.

carpe vitam! disse...

Pois, seja como for, não provei ainda nenhuma dessas águas, e não é por isso que vou desatar para aí a atirar pedras.

Miriam, é curiosa essa tradição, mas não é a única, a sobrevivência das espécies obriga a uma série de procedimentos incomuns, mas o adultério não costuma ter nada a ver com sobrevivência...

Agora se me dão licença, vou ali beber um copo de água fresquinha da fonte, que esta conversa fez-me sede :)

DoisaboresEle disse...

O adultério no sentido pejorativo do termo, é identico ou similar a traição.
Admito até que possam existir vários "niveis" de adultério com gravidade e consequencias distintas.
O maior adultério/traição possível de existir para nós, será o da falta de verdade (por acção ou omissão) face a uma mudança de sentimento(s) relativamente ao "outro".
A perpetuação de uma situação de adultério, desconhecida para o "outro" poderá porventura ser a maior ofensa e maior dano que podemos eventualmente PROVOCAR em alguem que amámos.
Sera talvez a maior forma de desrespeito possível...
Uma visão radical, certamente, mas a nossa...
Beijos

Camareira disse...

Mais que novidade é a nossa necessidade de provocar, de conquistar. A adrenalina que corre dentro de nós perante a sedução, a conquista e a descoberta de sentimentos e emoções novas e diferentes.
As Tentações... são deliciosas

Beijos Ardentes

Anónimo disse...

O que eu falei acerca dos esquimós ,foi mais um caso de poligamia! Mas que tem a ver com sobrevivênvia da espécie!
O adultério nas sociedades ditas evoluidas, em pleno sec.XXI, não tem razâo de existir ! Pelo simples facto, da pessoa ser livre para escolher o seu parceiro(a)!Porque ,se não der certo ,o casamento ou a uniâo , parte-se para outra ! A nossa liberdade acaba ,quando pomos em causa a liberdade dos outros!Ou seja a liberdade de amar e de ser amado(a)!
Mas se reparares bem ,nas sociedades ditas evoluidas, os incentivos ao adultério, são mais que muitos ! E voltamos á velha questão mas nós somos seres humanos ou bichos?

Anónimo disse...

Algém sabe se podemos amar uma pessoa e ser adultero?

Mary

carpe vitam! disse...

doisabores, ainda não descobri um sentido positivo para o adultério, não me parece que o facto de procurar melhores genes se possa aplicar nos humanos, pois quando o fazem, não estão certamente a pensar em reproduzir-se, mas sim evitar isso a todo o custo enquanto de divertem o máximo possível. Adultério é sempre uma falsificação, uma traição, caso seja um envolvimento consentido, já não é adultério.
concordo convosco na questão da mentira, qu eé a base de tudo. E a desconfiança mina qualquer relação.
Mas para haver adultério, é necessário haver uma mudança de sentimentos em relação à pessoa traída ou basta haver uma alteração de atitude?
Será que é totalmente impossível controlar os nossos impulsos mais prementes?
Também concordo com a Miriam, afinal somos pessoas ou bichos?
Mas a necessidade de novidade é grande, principalmente nas relações de longo curso. Mas para haver mudança, não é obrigatório haver traição.

"A MONOTONIA É O MAIOR INIMIGO DA MONOGAMIA".

Não me parece portanto, que a vossa posição seja radical, é compreensível, e quanto mais aberta for uma relação, quanto mais as pessoas puderem falar abertamente e dar largas aos seus desejos, mais hipóteses têm de se entender e mais difícil se torna (a meu ver)perdoar uma traição.

carpe vitam! disse...

Mary, bem-vinda!
é uma boa questão a que colocas, eu creio que sim, é possível. Por vezes não é o amor que está em causa, mas sim a paixão, e/ou o tesão.

Anónimo disse...

Sim concordo o que está em causa é mesmo isso a paixão, o tesão.
Sentir aquela sensação voraz de querer tudo hoje porque amanha pode não mais existir, de ter fome de mais...

Também concordo plenamente com,

"A MONOTONIA É O MAIOR INIMIGO DA MONOGAMIA".

Mas como fugir dela?

Como fazer para ter sempre algo de aliciante e de novo numa relação?

Como fazer para não pensar no que já se teve quando não havia um compromisso, quando se podia cometer loucuras e nada era monotono?

Será que tens respostas para isto?

Mary

carpe vitam! disse...

Bem, eu acho que não é fácil, mas não é impossível. para fugir da monotonia primeiro é preciso QUERER, é preciso IMAGINAR, INCENTIVAR a mudança, não pensar que já está tudo dito, feito ou vivido; as loucuras podem ser muito boas quando não há compromisso, mas podem ser ainda melhores com compromisso. Conhecer bem o outro pode ser uma forma de o conseguir surpreender. Há que ver as coisas pelo lado positivo!

Líviany Moura disse...

Sábias colocações! Parabéns!!!

Líviany Moura