Muito curiosa, esta Curiosidade, uma espécie de bicho altamente sedutor
que gosta de roer as mentes que se questionam… Ela vem de mansinho, num
andar felino, charme irresistível. Gosta muito que lhe façam todas as
vontades. Caprichosa,
vaidosa, persistente, mói o juízo a qualquer um que se questione sobre o
que quer que seja.
E não fica satisfeita enquanto não for saciada. Não descansa, não pára
de roer, noite e dia, a atazanar. Só desaparece quando finalmente lhe
fazem a vontade.
Mas depois, quando menos se espera, volta, cheia de
falinhas mansas, a azucrinar, a testar a paciência, mais uma vez, e
outra, e outra. Claro que eu não lhe resisto. Eu bem tento, mas é tããão
difícil…
Não me interpretes mal, eu não tenho a pretensão de querer saber tudo, só quero saber o que
preciso – é nisso que consiste a Sabedoria, eliminar o excesso, saber o
que é realmente útil. Mas a Curiosidade, ah, a puta da Curiosidade não
me larga!
Sacio-a. Cozinho para ela todas as iguarias que me pede e deixo-a
alambazar-se. Satisfaço do mesmo modo todas as suas perversões sexuais.
E, confesso, dá-me um gozo tremendo fazê-lo. Cada vez que o faço,
aprendo a ser mais eficaz. Faço-o com fervor, a espumar de raiva,
enquanto planejo a vingança. Mania de desinquietar! Está uma pessoa
sossegadita, na sua vidinha e é assaltada de repente, quando menos
espera, por este monumento à inquietação!...
Penso em discipliná-la, castigá-la de todas as formas possíveis e
imaginárias (mais imaginárias que possíveis) e quando ela menos esperar:
Passo
o fio da lâmina languidamente pelo pescocinho branco imaculado, num
golpe certeiro, abrindo a jugular e fazendo jorrar o sangue em golfadas
ritmadas, a sentir-lhe a vida a pulsar esvaindo-se entre os meus dedos, a
salpicar tudo à volta e a manchar-me o tapete… na, não é boa ideia.
Vejo-a a passar na passadeira e acelero prego a fundo,
atropelando-a. Salta por cima do tejadilho do carro e com um
sorriso sádico vejo-a rebolar de rojo no asfalto através do retrovisor.
Vou conversar com ela para o terraço e atiro-a do vigésimo andar. Vejo-a estatelar-se no chão como se fosse um ovo. Ploc!
Sirvo-lhe um chá, cumprindo o ritual do bule e da chávena, com bolachas
recheadas de creme venenoso. Vejo-a engasgar-se, ficar aflita, sem ar, e
assisto pacificamente, de poltrona, à sua queda.
Mas é astuta, a puta, dá luta!
Faço-me a ela e derrubo-a, sento-me em cima do peito dela e vou-lhe ao pescoço, estrafego-a!
MORRE, CABRA, MORRE! Ahahahaahahahahaha!
O prazer que me dá a sua morte é indescritível, mas ainda assim eu
vou tentar. A adrenalina começa a dissipar-se na corrente sanguínea e dá
lugar a hormonas mais pacíficas que me enchem de um bem-estar
pós-orgásmico. Uma sensação de plena satisfação envolve-me e manifesta-se num sorriso safado. Sou
exigente, mas não insaciável. Pelo menos durante uns momentos. Depois…
depois há sempre uma altura em que ela volta, ressuscita com uma
desculpa qualquer, qualquer coisa que é preciso saber.
Dizem que a
curiosidade matou o gato, mas há que ter em conta a primeira parte da história: o
gato pôs-se a jeito. E quem o faz, convém que saiba arcar com as
consequências.
Gosto deste ciclo. Nem sempre consigo pôr-lhe um fim, nem sempre
depende só de mim. Tento adiá-la, quando sei que não perde pela demora. Deixo-a a
definhar, tento ignorar e ela desvanece-se. Não é coisa que me
agrade, prefiro uma morte rápida e limpinha, de barriga cheia, quando está bem
satisfeita, num golpe só. Mas sei que há curiosidades que só trazem
chatices e tento evitá-las. No fundo, sei que sou eu quem tem que se
disciplinar, sou
eu que me sacio, sou eu que morro e renasço a cada dúvida, a cada pergunta, cada ponto de interrogação vencido.
Não me importo de estar à mercê da Curiosidade, porque me dá imenso
prazer fazer-lhe o gostinho. E sei que ela volta. Volta sempre. E o
ciclo repete-se. Infinitamente…
The Pink Panther Theme, Henry Mancini